A didática do Livro


Todo livro ensina alguma coisa, mas há aqueles em que essa característica pedagógica da leitura fica ainda mais evidente, são os chamados livros didáticos. Por livros didáticos podemos entender, em uma perspectiva ampla, aqueles livros utilizados em contexto escolar, como dicionários, enciclopédias, atlas e, ainda, os compêndios de cada disciplina – Matemática, Biologia, Inglês, Literatura etc. Entretanto, se pararmos para considerar o termo “didático”, veremos que nem todo livro escolar se encaixa, necessariamente, nessa denominação.


O vocábulo “didática” nos remete, originalmente, à arte ou técnica de ensinar . Nesse sentido, entende-se que tudo aquilo que é “didático” é feito a partir de uma técnica de ensino, portanto o livro didático seria aquele que é escrito por quem se dedica a essa arte. Assim, um livro didático não apresenta somente informações a partir das quais o leitor poderá aprender algo, na verdade, ele é escrito por alguém que trabalha em prol de um caminho de aprendizagem, assim como o artista trabalha em prol de sua obra de arte. Em tese, portanto, o livro didático deveria ser diferente de uma enciclopédia ou de um dicionário, pois, na enciclopédia e no dicionário, o conhecimento está estacionado, exposto como em uma vitrine, à espera de alguém que lhe confira um uso. No livro didático, por outro lado, o conhecimento que ali está já foi moldado por uma arte, a arte de ensinar.


Em minha experiência com a produção de livros didáticos no Sistema Mackenzie de Ensino, vejo que essa arte de ensinar que dará origem ao livro passa por, pelo menos, três fases obrigatórias.


Em primeiro lugar, é importante ter clareza do que se quer ensinar. Há um vasto escopo de conhecimento relacionado a cada disciplina, o qual não cabe em único livro, de modo que é preciso selecionar. No caso dos livros didáticos escolares, o primeiro critério de seleção é o conteúdo programático da disciplina para cada série da educação básica. É assim que sabemos, por exemplo, que, na 2ª série do Ensino Médio, o livro didático ensinará a escola literária romântica. Entretanto, essa é, ainda, uma ideia muito ampla. Há muitas obras, muitos autores, muitos aspectos do Romantismo que poderiam ser ensinados, de modo que surge uma pergunta: o que, do Romantismo, se quer ensinar? Nos livros do Sistema Mackenzie de Ensino, buscamos uma abordagem que seja mais pedagógica e menos enciclopédica, o que significa que, ao ensinar uma escola literária (continuando nosso exemplo), nosso foco não está na listagem de obras e autores principais ou, ainda, em dados históricos do período. O que procuramos é encontrar os principais conceitos que subjazem aquela estética literária. Portanto, ao ensinar o Romantismo, queremos ensinar conceitos, tais como “nacionalismo”, “idealismo”, “subjetivismo” etc.


Uma vez feito o trabalho de seleção, começa o trabalho de pesquisa. Estamos, agora, na segunda fase para alcançarmos a didática. Para dominar a arte de ensinar, é necessário dominar, também, o que será ensinado. Assim, antes de pensar em como ensinar conceitos, como o “subjetivismo”, por exemplo, é preciso entender, de fato, em que tal conceito consiste. Ainda que o livro didático, em função de suas limitações editoriais, não evidencie todos os aspectos envolvidos nessa pesquisa, ela é essencial para que o “artista do ensino” consiga modelar o conceito de forma didática. Isso significa que o aluno talvez não veja, diretamente no livro, textos de Kant, Fichte, Schopenhauer, Herder ou outros filósofos do Romantismo, mas eles estarão lá de forma indireta a embasar o conhecimento do autor. Afinal, como bem ressaltou o escritor português Eça de Queiroz, “para ensinar há uma formalidadezinha a cumprir – saber.”


Agora que se tem clareza dos objetivos e dos conteúdos, passamos ao momento que talvez seja o mais artesanal: a “modelagem didática” dos conceitos. Aqui entra, claramente, a arte do ensino. O livro didático é, a rigor, um livro que ensina por si mesmo. Nesse sentido, embora saibamos que a didática do livro terá, ainda, o reforço da didática do professor, concebemos um livro cuja leitura já seja, em si, uma aula. Para nossa “proposta artística”, temos como modelo pedagógico a interação entre professor, aluno e conhecimento pelo método indutivo-dedutivo de aprendizagem; isto é, os conceitos que queremos desenvolver com o aluno, o “subjetivismo romântico”, por exemplo, não serão apresentados como dados a priori, mas aparecerão como fruto da conclusão de uma análise. Desse modo, diferentemente de um dicionário ou uma enciclopédia, o livro não poderá começar com uma frase do tipo “o subjetivismo romântico é...”, mas sim, proporá uma análise para que o aluno chegue a esse conceito. No caso de literatura, essa análise será exercida nos próprios textos literários do período.


Realizados esses três passos, esperasse, então, que autores e editores tenham chegado a um livro didático que seja, de fato, didático. Para autores e editores, a didática do livro é um mundo por si só. Nosso trabalho consiste em produzir livros, livros didáticos, e, por isso, chegar à verdadeira didática na forma de um livro escrito é nosso alvo de sucesso, a finalização de nossa “obra de arte”. Entretanto, sabemos que a aprendizagem vai muito além dos livros, por isso, na escola e para alunos, pais e professores, o livro, realmente, não é um mundo por si só, ele é uma parte do todo, é apenas uma das técnicas utilizadas na criação de uma grande tela. E, a partir daí, uma nova técnica começa, uma nova arte se faz.


Jade Pena Magave Uchôa

Fonte: Sistema Mackenzie em Revista (N: 6 Março, 2016)